Reportagem: Keuly Vianney
Todo ano, o empresário Carlos Eduardo Veríssimo, 60 anos, de Campinas (SP), visita o Parque Nacional da Serra da Canastra (Parna Canastra), entre o Sul e o Centro-Oeste de Minas Gerais, não só pelas suas belezas naturais famosas, como a nascente do rio São Franciso e a Casca D’anta. Mas, para praticar uma atividade em crescimento entre os turistas do Brasil: birdwatching, palavra inglesa que significa “observação de aves”.
Nos últimos anos, a Serra da Canastra vem despontando como um dos melhores lugares do Brasil para birdwatching. Muitos visitantes vêm, especificamente, para admirar e fotografar a grande diversidade de aves típicas, incluindo algumas raras, como o pato-mergulhão e o galito, somente encontrados por estas paragens mineiras.
Qualquer ponto do Parna Canastra ou em seu entorno é possível a prática de avistamento de aves, numa combinação de riqueza da fauna e flora do Cerrado e dos resquícios da Mata Atlântica. São 200 mil hectares ainda preservados como santuário ecológico, atraindo admiradores de todas as partes do mundo ávidos para observarem a beleza, as cores e ouvirem o inebriante canto de passarinhos das mais variadas espécies.
403 espécies de aves estão catalogadas no Parna Canastra
21 espécies estão ameaçadas de extinção, como pato-mergulhão
Fonte: ICMbio
E foi justamente isso que encantou o empresário Eduardo Veríssimo, que pratica observação de aves de forma mais séria desde 2009 e se considera um apaixonado pela diversidade da Canastra.
“Sempre gostei de fotografia. Na natureza, comecei fotografando mamíferos e, depois, percebi uma turminha procurando por aves. Daí embarquei nessa aventura maravilhosa e contagiante. Em 2001, comprei um guia de parques brasileiros e decidi que o primeiro a conhecer era o Parque Nacional da Serra da Canastra. Em 2002, desbravei aquele “baú” cheio de surpresas escondidas e fiquei decepcionado por não fotografar o tamanduá bandeira. Mas fiz muitas fotos e conheci gente com boa prosa e uma lenda, o pato mergulhão”, conta o empresário, que sentiu a vontade imensa de retornar à serra.
Ele voltou em 2003 e, desde então, não parou mais de avistar e fotografar aves, investindo em equipamentos específicos para a prática. Hoje, o empresário possui um acervo com cerca de 600 espécies fotografadas pelo Brasil, sendo 320 destas clicadas só na Serra da Canastra. “Geralmente, saio para fotografar uma vez por mês, sozinho ou com amigos e guia. Divulgo minhas fotos no site Wikiaves, considerado a enciclopédia digital das aves, e sempre priorizo qualidade da imagem em relação à quantidade de espécies fotografadas”, diz.
Para ele, birdwatching se traduz em qualidade de vida, pois funciona como tratamento natural para ansiedade e outros problemas típicos da sociedade moderna e urbana. “Observar aves significa conhecer lugares e pessoas, lazer, cultura e consciência de que fazemos parte da natureza e, como animais racionais, precisamos conservá-la. Conheço muitos lugares e ainda tenho muitos a conhecer. Mas, só dois locais comparo com a Canastra: as Serras Catarinenses, que além dos campos têm araucárias, e o Rio Grande do Sul, com mar e pampa”, afirma, dizendo que só neste ano já esteve três vezes na Canastra.
Dica: Roteiro de Birdwatching na RPPN da Cachoeira do Cerradão: um refúgio para as aves da Canastra
Demanda
O empresário é só um dos apaixonados pela Canastra, ajudando no surgimento de muitos guias de birdwatching na região para atender a demanda de turistas interessados nas aves canastreiras. Hoje, pousadas e estabelecimentos turísticos da Canastra oferecem serviços e pacotes exclusivos para observação de pássaros, principalmente nas imediações das cidades de São Roque de Minas, Delfinópolis, Sacramento e São João Batista do Glória.
“Os americanos e europeus sempre visitaram a Serra da Canastra para birdwatching. Os holandeses vêm muito para ver o pato-mergulhão de perto, mas também já recebi observadores da China e do Japão. A Canastra tornou-se um dos melhores locais para observadores de aves no Brasil”, conta o guia turístico José Maria Fernandes, o Zé Maria, de 60 anos, credenciado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio).
Zé Maria nasceu em São Roque de Minas e, mais do que ninguém, conhece as belezas e particularidades da Serra da Canastra. Desde criança, desbrava a região e, naturalmente, tornou-se guia turístico. Há mais de 20 anos, no entanto, despertou para o birdwatching ao perceber o interesse dos estrangeiros nas belas aves da região.
“Os gringos sempre vieram observar nossas aves. O brasileiro já se interessou mais depois da evolução das máquinas digitais. Enquanto o estrangeiro se contenta em observar, o brasileiro gosta mais de fotografar”, avalia Zé Maria. “Para praticar o birdwatching é preciso observar mais os detalhes da natureza, ser curioso”, completa.
Ele já tem 325 espécies de aves fotografadas, incluindo algumas em extinção. Zé Maria diz que qualquer local é ponto de observação na Canastra, quando se percebe a presença de um pequeno passarinho ou um som peculiar que faz bem aos ouvidos. Veja na Galeria abaixo as raridades do acervo do guia; arraste e clique nas fotos para ler a legenda.
“Na parte alta do parque estão as espécies mais raras, como o pato-mergulhão, que é melhor observado entre os meses maio e outubro. Mas, cada época do ano traz uma ave diferente devido às condições do clima da serra”, explica.
Para ele, birdwatching pode iniciar apenas por curiosidade, mas já se transformou em hobby e terapia para muitas pessoas. “Em 10 anos, houve 100% de aumento na procura pela observação de aves na Canastra. Hoje, trabalhamos com grupos de cinco pessoas, no máximo, saindo às 5h30 e voltando à noite. É bom ter uma câmera e uma lente boa ajuda a captar melhor imagens das aves”, diz. “É uma experiência muito rica”.
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Sacramento
A observação de aves também se desenvolveu bem na cidade de Sacramento, na região oeste dos limites do Parna Canastra. Lá, quem se dedica ao birdwatching é o professor, designer e fotógrafo Alessandro Abdala, 45 anos, que se tornou guia credenciado pelo ICMbio para atuar no Parna Canastra e já publicou dois livros sobre o tema, além de ser autor do Guia de Aves da Serra da Canastra.
“Recebo pessoas de todo o mundo em busca de ver e registrar as raridades que temos por aqui. A quantidade de visitantes tem crescido muito e a prática do birdwatching se popularizado cada vez mais. Não é necessário nenhum equipamento para começar a observar aves. Basta olhar pela janela e registrar as espécies em uma caderneta. Para ver melhor as aves, pode-se utilizar um binóculo e para registrar, a câmera fotográfica, mas basta começar olhando”, ensina.
Livros de Abdala: “Serra da Canastra: refúgio das aves do Cerrado” (2017) e “Jóias aladas: os incríveis beija-flores da Serra da Canastra” (2021); obras são raridade sobre fauna e flora da Canastra/ Fotos: Reprodução
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Esse olhar diferenciado de Abdala rendeu a produção de um artigo publicado em 2011 sobre apresentação dos primeiros registros de 43 espécies de aves encontradas na Serra da Canastra no site Neotropical Birding and Conservation, organização internacional para observadores de pássaros e ornitólogos interessados nas aves dos Neotrópicos situados no México, América do Sul e Central e no Caribe.
O artigo, que conta com três fotos de aves de Abdala, é assinado por cinco brasileiros e um britânico (leia artigo aqui).
Abdala explica que o birdwatching é, literalmente, a prática de sair de casa para obsevar passarinho, eventualmente registrando as aves em seu habitat natural e sem interferir no seu comportamento ou ambiente.
“Aprendi com meu pai Francisco os nomes das primeiras aves e observá-las na natureza. Com meu tio Antonio, artista plástico, aprendi a desenhar e pintar as aves e outras cenas naturais. Depois, substituí os pincéis pela câmera fotográfica e passei a registrar em fotos a natureza e a cultura da Serra da Canastra”, conta Abdala, que é natural de Sacramento e cresceu na região aprendendo a observar e respeitar a natureza, além da sensibilidade pelas aves.
Conforme ele, a Serra da Canastra se revela muito rica em diversidade de aves, principalmente na área do parque, onde estão as espécies mais raras. Porém, a região toda oferece possibilidades para se observar interessantes passarinhos. Veja Galeria abaixo com as fotos preferidas do fotógrafo que ele divulga no site www.alessandroabdala.com; arraste e clique nas imagens para ler a legenda.
“A Serra da Canastra é considerada pelo Important Bird Area (IBA) (Área Importante de Aves, na tradução livre) de extrema relevância para a conservação e observação de aves, pois essas áreas são caracterizadas pela presença de um grande número de aves ameaçadas, de distribuição restrita e endêmicas”, afirma Abdala. “O número de espécies registradas na Canastra deve crescer, pois outras espécies já foram encontradas, mas ainda não foram oficialmente publicadas em artigos científicos”.
O guia aponta o pato-mergulhão como a ave mais rara na Canastra, mas cita mais de uma dezena de espécies ameaçadas, como o galito, andarilho, caminheiro-dourado, papa-moscas-do-campo e águia-cinzenta.
“Todas essas espécies estão associadas aos campos nativos do Cerrado, ambiente extremamente raro hoje na paisagem brasileira. Por isso, sempre ressalto a necessidade de se preservar o Cerrado, ambiente fundamental para a conservação de um grande número de aves ameaçadas e que tem desaparecido rapidamente para dar lugar à agricultura e pecuária”, alerta.
Fonte: https://www.noticiar.net/