Cada dia mais produtores estão desistindo de fabricar queijos artesanais de leite cru, seja pelas complicações da pandemia, pela alta da soja ou por problemas familiares
Foto destaque: Da esquerda para direita, Milena, Mirella e Emilayne, produtoras do canastra Três Irmãs. FOTO: Três Irmãs/Instagram.
por Débora Pereira
Um problema alarmante! Nas duas últimas semanas tive a notícia de quatro produtores de queijo de leite cru desistiram da atividade, especialmente na Canastra e em Araxá. Os motivos alegados são muitos: baixa de vendas desde o início da pandemia, dificuldades para atenderem as normas sanitárias, problemas familiares.
Do lado dos comerciantes, a situação também é grave. A maioria dos vendedores de queijos artesanais está com estoque alto. Liderados pela associação Comer Queijo eles planejam uma campanha nacional para motivar o consumo.
Vejam o caso do queijo canastra Três Irmãs. Emilayne Aparecida (24), Milena Alves (21) e Mirella Cristina da Silva (16), de São Roque de Minas, tinham começado um projeto de legalização do seu queijo. Conseguiram o certificado do Serviço de Inspeção Municipal, se filiaram à SerTãoBras e a Aprocan, as duas associações que trabalham na Serra da Canastra.
Fizeram o último curso de cura que dei na Canastra, em janeiro de 2020, para aprender a agregar valor a seu queijo. Elas assumiram a propriedade em 2019, depois de uma doença do pai, Elmo. Em 2020, a mãe Renilda faleceu por complicações de saúde e tudo ficou mais difícil. “Esperamos voltar a fazer queijo daqui a alguns anos, por enquanto a solução foi parar” disse Emilayne, esperançosa.
De fato, a pandemia veio enriquecer os mais ricos e empobrecer os mais pobres. Na Serra da Canastra, a maioria dos produtores que param de fabricar ou começam a vender o leite para o laticínio, ou arrendam as terras para a plantação de café.
Os números são uma catástrofe: em 2000, a Emater estimava 30 mil produtores de queijo de leite cru em Minas Gerais e 10 mil nos 7 municípios da região da Canastra, um território do tamanho de Portugal. Em 2014, um censo publicado pelo Sebrae deu a notícia de 793 produtores fabricando 16,5 toneladas de queijo por dia, uma média de 20 queijos por produtor. Como chegamos tão baixo? Ainda não existem números oficiais mais recentes, mas pelas notícias que correm na região, todos os anos antigos produtores desistem da lida queijeira…
“Quando os filhos vêem o sofrimento dos pais no trabalho diário, eles não se sentem motivados a seguir a mesma profissão” resume uma antiga produtora da Canastra, que criou os 3 filhos fazendo queijo, mas nenhum deles ficou na fazenda para continuar a tradição.
Alta dos custos da produção
Em Campo Grande-MS, o produtor Fernando Gervásio do Queijo da Bisa anunciou em grupos de Whatsapp de produtores de queijo a sua triste decisão.
“Após a dedicação de anos no desenvolvimento e no aprimoramento da produção de nossos queijos como produtor rural, atendendo todas as normas e exigências governamentais (federal, estadual e municipal), informamos que decorrente dos elevados custos de produção, paralisaremos, neste momento, nossa produção. Fomos, como todas as empresas de pequeno porte, impactados fortemente por essas medidas governamentais (Estaduais e Municipais) impossibilitando, a nossa comercialização. Somos produtores rurais e empresa familiar, sempre produzimos queijos de qualidade, mas com essa voracidade dos encargos e impostos (federais, estaduais e municipais) que não cessaram mesmo em plena pandemia não houve outra saída senão pararmos nossa produção temporariamente. Desta forma, agradecemos aos nossos clientes, fornecedores e aos nossos colaboradores, nossa mais sincera gratidão pela convivência harmoniosa e profissional que tivemos ao longo desses anos. Desejando a todos que continuem a ter esperança no Brasil e que tenham sucesso em suas atividades“.
A soja, principal fonte de alimentação das vacas, está com o preço nas alturas. Depois da quebra de produção na Argentina e do aperto dos estoques nos EUA e na China, o produtor brasileiro vê mais vantagem em exportar que vender internamente.
Uma questão a ser tratada por grandes atores mundiais, mas quem paga o pato no final é o pequeno produtor. Com a chegada do inverno e a escassez de pastos, a tendência é a desistência por parte de outros produtores…
“Muito triste ver esse tipo de relato, mas é a realidade que estamos vivendo, está muito difícil manter as queijarias “vivas”, carga tributária enorme, insumos caríssimos, endividamento após 1 ano de restrições é praticamente inevitável. Com as restrições ainda mais firmes dos últimos meses somos forçados a diminuir o ritmo o que piora ainda mais a situação. Viver um dia de cada vez sem enxergar o horizonte, só o tempo dirá quem vai sobreviver” comentou Felipe da Queijaria Bolderini de Pindamonhangaba, São Paulo.
Portanto, este post é um apelo: vamos comprar queijo artesanal de pequenos produtores, vamos cozinhar todos os dias com essas delícias, inventar novos pratos, colocar o queijo na mesa em todas as refeições! Não temos, como na França, uma comissão do governo olhando para esses casos e buscando soluções, portanto, a única esperança é a conscientização dos produtores.
Fonte: Paladar Estadão